Têm de decidir!
O Embaixador dos EUA está totalmente enganado se pensa que não vamos ser nós, Portugueses que descobriram novos mundos, a decidir sobre quem vai ficar com o segundo terminal de contentores em Sines (Terminal Vasco da Gama).
A decisão foi tomada pela Ministra do Mar em 2019[i], quando, numa conferência denominada “Objetivos e Ideais Comuns: 40 Anos de Cooperação entre Portugal e China”, realizada em Lisboa a 22 maio 2019, anunciou que “o Porto de Sines pode iniciar uma nova era na relação entre Portugal e China, numa altura em que este país está a criar uma Nova Rota da Seda” e deu como exemplo “a criação do futuro terminal de contentores Vasco da Gama, no mesmo porto, e cujo concurso público internacional será lançado em breve, mas que já despertou o interesse chinês”.
E mais, como o Governo Chinês deixou passar tanto tempo (já em 2017 e 2018[ii] a Ministra tinha mantido contactos vários com a Cosco) e nada concretizou, apressou-se a aconselhar os chineses que a Nova Rota da Seda tinha de ser redesenhada, passando não pelo porto do Pireu mas pelo porto de Sines tendo em conta a sua posição de Porta Atlântica da Europa.
Como se atreve o embaixador a afirmar que “Têm de fazer uma escolha agora. Não se pode ter os dois…”? Está a ver mal.
O Governo Português já decidiu: o terminal é para a China
Só que o Governo não sabe se a China o quer.
A Cosco tem preferido fazer investimentos em terminais em Espanha e parece acreditar que ser “Porta Atlântica da Europa” não joga com a sua geografia económica. Para além dos soundbites ministeriais é necessário que exista volume de tráfego de contentores que gere receitas e pague o investimento. Coisa que os sucessivos governos nacionais não entendem porque internamente quando decidem investimentos portuários é sempre a pensar que o tráfego irá aparecer um dia.
A maioria dos Portugueses são serenos e não reclamam, pensam que o dinheiro é do Estado. Nem na China já pensam assim!
O Governo Português já decidiu: o terminal [Vasco da Gama] é para a China.
Só que o Governo não sabe se a China o quer.
O governo português já decidiu tudo sobre o terminal Vasco da Gama: o comprimento do cais, o número de pórticos, a utilização dos terraplenos, a necessidade de construir um molhe de proteção (pago pela APS?), etc.. Está tudo no caderno de encargos do concurso. O que é que querem mais? Uma história de embalar?
O governo ao querer desesperadamente um segundo terminal em Sines torna-se refém dos operadores de linhas marítimas internacionais de contentores e dos operadores de terminais! Até os espanhóis de Algeciras já passaram vergonha em idêntica situação quando, depois de diversos concursos-tentativa, tiveram de adiar até um dia.
Os EUA já decidiram
O embaixador dos EUA não está, de facto, muito interessado no segundo terminal de contentores. Assim, refere que “a parte do porto que estará em concurso não precisa de ser gerida por uma empresa dos Estados Unidos, mas desejamos que haja uma empresa ocidental a operar e a construir o terminal”. Isto é, linhas marítimas de contentores e terminais de contentores não são atividades que interessem a um homem de negócios americano, envolvem fortes investimentos, elevados riscos e têm rentabilidades baixas. Os EUA deixam isso para amigos asiáticos, árabes ou outros desde que não sejam chineses.
Ajudemos os EUA
Segundo artigo recente do The Wall Street Journal[iii] os terminais de contentores da Costa Leste dos EUA, onde foram feitos investimentos vultuosos nos últimos cinco anos para acomodar os navios porta-contentores de maior porte, estão a assumir um papel crescente no comércio marítimo entre a Ásia e os EUA.
Segundo o artigo: “A disputa comercial dos EUA com a China levou as empresas a estabelecerem centros de produção noutros países asiáticos como o Vietnam, a Tailândia e o Camboja, para além do subcontinente indiano. Tal evolução colocou os centros de produção num alcance mais fácil da Costa Leste dos EUA por meio de viagens pelo Oceano Índico e pelo Canal de Suez. Os navios podem fazer escalas de transbordo nos portos do Mediterrâneo na Europa antes de cruzar o Oceano Atlântico. “
Resumindo, é vantajoso para o comércio marítimo de importação dos EUA com origem na Ásia que as linhas de contentores entre a Ásia e os EUA recebam contentores em portos do Mediterrâneo ou da Europa porque dessa forma conseguem mais receitas. Conjugar receitas do tráfego Ásia-EUA com as do tráfego Europa&África com a Costa Leste da América é o segredo. Dessa forma, os custos com o canal do Suez, os custos da maior distância e os custos de transbordo são compensados pelas economias de escala proporcionadas pela utilização dos maiores navios de contentores em rotas Este-oeste.
Uma rede global
As linhas marítimas de contentores e os terminais de contentores funcionam em rede e por isso um terminal de contentores em Sines pode contribuir para reduzir os custos de transporte marítimo entre a Ásia e os EUA.
Afinal, no contexto atual, a importância de um segundo terminal de contentores em Sines pode não ser a “Porta Atlântica da Europa”, ou “o ponto de ligação com o tráfego que passa o canal do Panamá”. As duas narrativas do governo português nos últimos anos não parecem interessantes para as linhas internacionais face a outras alternativas.
…um terminal de contentores em Sines pode contribuir para reduzir os custos de transporte marítimo entre a Ásia e os EUA.
Mas há que ter em conta que o segundo terminal em Sines tem nesse papel de transhipment para a Costa Leste dos EUA forte concorrência: em primeiro lugar do terminal XXI de Sines (utilizado de forma parcimoniosa pela MSC) e depois dos vários terminais de Algeciras e Tânger.
Vamos pensar melhor
Os EUA não têm empresas de linhas de contentores ou operadores de terminais portuários de contentores que lhes permitam controlar de alguma forma os tráfegos. O funcionamento em complexas redes globais está acima do controlo dos Estados.
É um sinal de fraqueza que os governos de Portugal, Estados Unidos e China utilizem o projeto para um segundo terminal de contentores no porto de Sines nos seus jogos diplomáticos. Na prática, não vai ser nenhum deles a decidir o investimento.
Em particular, o governo Português deveria deixar de negociar o projeto pela comunicação social e utilizar mais a “Business Intelligence” em detrimento das visões proféticas dos amigos.
[i] https://www.portugal.gov.pt/pt/gc21/comunicacao/noticia?i=porto-de-sines-pode-representar-uma-nova-era-na-relacao-entre-portugal-e-china
[ii] https://www.transportesenegocios.pt/ministra-do-mar-tenta-atrair-a-cosco-para-sines/
[iii] “East Coast Ports Get More Shipping Volumes as Trade Routes Change”, The Wall Street Journal, 16 Setembro 2020. https://www-wsj-com.cdn.ampproject.org/c/s/www.wsj.com/amp/articles/east-coast-ports-get-more-shipping-volumes-as-trade-routes-change-11600289041
FERNANDO GRILO
Economista de Transportes Marítimo