A expressão “obras de Santa Engrácia” é usada para descrever algo que está inacabado ou demorado, que parece nunca terminar.
Sermão é um discurso, geralmente “religioso”, que pode ter vários significados. Normalmente proferido de um púlpito, por um “especialista”, geralmente durante uma “missa”.
Hoje, tenho de voltar 10 anos atrás, não por ser saudosista, mas para falar de um tema que começou a surgir então de uma forma mais incisiva – o Porto Seco da Guarda. Isto porque o Município da Guarda tem sido uma verdadeira “locomotiva” deste assunto. Como tudo em ferrovia, a inércia do movimento não tem sido fácil de ultrapassar.
Mas devagar, devagarinho lá se vai vendo a luz ao fundo do(s) túnel(eis) da Linha da Beira Alta.
Recentemente tive a oportunidade de assistir a uma sessão acerca do compromisso da Região Centro com o transporte ferroviário no Corredor Atlântico. Novamente, a “locomotiva” foi o Município da Guarda. Excelente iniciativa que parabenizo, mas mais uma vez saí com aquela sensação de que faltava ali algo, até por algumas das explicitações que foram difundidas a partir do púlpito…
Não…, o Corredor Atlântico é nacional e não regional e, em minha opinião, é assim que deve ser pensado.
Não…, o nosso país não pode desperdiçar recursos, mas tem de os utilizar de forma una, pensando o território como um todo, e só assim se poderá falar em coesão territorial. E coesão é: união, harmonia, coerência, ou força de atração, ou seja, é a relação entre os elementos de um sistema logístico, que torna a sua compreensão mais fácil e que contribui para a coerência territorial.
Não…, isto não significa que numa faixa de cerca de 400 km onde os comboios de mercadorias circulam e nas duas ou três ligações à fronteira com Espanha surjam agora plataformas, terminais e afins, como cogumelos, porque se julga que o seu aproveitamento estratégico regional vai ser relevante para o projeto nacional Corredor Atlântico.
Uma força de atração que não atraia para um núcleo principal, repulsa. Se o resultado é uma “repulsa” relativamente ao núcleo, esse núcleo não agrega, não junta e não ganha força para atingir resultados eficazes. “O todo é maior que a soma das partes”, o que significa dizer que a natureza do todo é diferente da mera soma das suas partes.
O Corredor [Atlântico] deverá ser constituído por plataformas, terminais, portos secos, operadores, entidades, instituições, empresas e pessoas. Se não conseguirmos atrair todos estes parceiros, dificilmente teremos Corredor…
Um todo conectado é mais poderoso do que as suas partes separadas, ou seja, um Corredor Atlântico conectado é muito mais poderoso e eficaz do que a soma dos vários terminais, das várias plataformas, dos vários ramais, das várias linhas, dos vários operadores a trabalhar de forma dessincronizada. Tudo isto sincronizado (engatado) é que faz a “locomotiva” puxar os vários “vagões”.
Que fique bem claro que nada se faz sozinho, e em ferrovia muito menos. A complementaridade entre modos de transporte é crucial para o sucesso; temos de encontrar formas de mostrar que estas soluções logísticas são competitivas. Os parceiros deste caminho podem ser marítimos, rodoviários e até aéreos. Temos de competir quando temos de competir, e temos de ser complementares e comprometidos quando temos de criar parcerias. É o próprio mercado que o diz. Reforço que a ideia não pretende retirar o protagonismo à Rodovia, até porque sem ela nada se fará.
Este núcleo principal é o Corredor Atlântico, que não se faz sozinho. O Corredor deverá ser constituído por plataformas, terminais, portos secos, operadores, entidades, instituições, empresas e pessoas. Se não conseguirmos atrair todos estes parceiros, dificilmente teremos Corredor Atlântico.
Tenho vindo a falar da necessidade de idealizar uma rede compatível com as necessidades do país, de modo que não se desperdicem recursos nem se faça uma cobertura deficiente do território. O seja, importa criar “corredores logísticos”, que permitam servir a carga, ajudem a atingir as metas ambientais, incrementem a intermodalidade, aumentem a quota de mercado e ao mesmo tempo “alimentem” o Corredor Atlântico.
A ferrovia é um processo complexo. O transporte de mercadorias por ferrovia é igualmente complexo, por isso temos todos de desligar o “complicómetro”, deixar de olhar para a nossa “pequena área” ou “grande área”, pensar no “campo” todo e perceber o quão pequenos somos. Só juntando, só unidos, teremos força e escala para chegar mais longe de forma sustentável e competitiva. Temos de ter um pensamento mais estratégico, congruente com as necessidades e carências do sistema logístico nacional, de modo a eliminar redundâncias, congestionamentos ou coberturas ineficazes da conetividade de que os negócios e as empresas tanto carecem.
Muito honestamente, quer-me parecer que Portugal está cheio de “padres”, entenda-se especialistas, que durante algumas “missas”, entenda-se congressos, seminários, eventos, encontros e tertúlias, falam do assunto como falam das obras da “igreja” de Santa Engrácia.
Basta olhar para o lado (Espanha) e ver a prática (luz).
ANTÓNIO NABO MARTINS