É importante para as empresas Portuguesas acompanhar o mercado do shipping, pois o transporte marítimo tem um peso dominante nas cadeias logísticas que suportam as suas atividades na importação e exportação de matérias-primas, produtos finais e equipamentos e componentes.
O mercado de shipping engloba uma dezena de segmentos com diferentes comportamentos, mas aos quais é comum uma natureza cíclica. E, como se documenta na figura em baixo (por Adam Kent, diretor da MSI), nem todos os segmentos de mercado estão na mesma fase do ciclo[i]. Neste final do ano 2020, enquanto o mercado de contentores está a caminhar para um pico, o mercado de transporte de petróleo bruto está em baixa.
Mas o comportamento cíclico tem de ser desdobrado em ciclos de longa duração, ciclos de curta duração e ciclos sazonais, o que torna impossível para o comum dos mortais fazer previsões. São necessários modelos matemáticos complexos, que um número reduzido de consultoras especializadas construiu e mantém.
Mercado de Linha de Contentores
Pela sua importância para as empresas exportadoras portuguesas, destacamos as mais recentes análises e previsões para o mercado de contentores.
O curto prazo
A queda na procura deste tipo de serviços não foi tão acentuada como se previa no início da pandemia. Por exemplo, nos EUA a queda no PIB foi mais significativa nos Serviços (-22,9%) do que nos Produtos (-2,1%). Isto é, os americanos (e os europeus) deixaram de fazer turismo e de frequentar restaurantes e espetáculos, mas não deixaram de comprar, entre outros bens, automóveis, telemóveis e computadores, em grande parte bens importados da China/Ásia. Os retalhistas tiveram de repor os stocks e fizeram-no de forma cautelosa perante uma pandemia que não sabiam se ia durar meses ou anos.
Os analistas apontam para que no primeiro trimestre de 2021, se os operadores continuarem a conter a oferta e a procura tiver uma recuperação rápida, os carregadores continuarão a ter dificuldade em aceder a contentores na Ásia e a ver-se confrontados com taxas de frete elevadas.
Por outro lado, neste segundo semestre de 2020 assistimos a um comportamento verdadeiramente pouco usual por parte dos operadores (“carriers”): “numa rara demonstração de disciplina, os operadores dominaram os nervos e coletivamente retiraram do mercado uma parte significativa da capacidade e, ao tomar essa atitude, conseguiram manter ou mesmo aumentar as taxas de frete”[ii].
Neste contexto, uma procura a cair menos do que o esperado e a recuperar rápido está a conduzir a taxas de frete elevadas.
A evolução do índice SCFI, referência a 15 rotas com origem em Xangai, suporta essa perspetiva (fonte: DHL).
Uma boa notícia para os operadores que é uma má notícia para os carregadores. Estes últimos têm reagido de forma brusca, com alguns operadores logísticos internacionais a decidirem afretar navios e alugar contentores para rapidamente corresponder às suas necessidades de repor stocks neste final de ano, uma prática “guerreira” que é sinal de que estamos em presença de uma situação anormal.
Os analistas apontam para que no primeiro trimestre de 2021, se os operadores continuarem a conter a oferta e a procura tiver uma recuperação rápida, os carregadores continuarão a ter dificuldade em aceder a contentores na Ásia e a ver-se confrontados com taxas de frete elevadas.
O longo prazo
No gráfico em baixo, no eixo da esquerda temos o aumento/diminuição da procura e da capacidade oferecida em TEU e, no eixo da direita, a taxa de utilização da capacidade disponível (em %).
Verifica-se que os efeitos da pandemia neste segmento de mercado estiveram longe do que aconteceu na crise de 2009.
As previsões da Maritime Strategies International (MSI), na figura em baixo, apontam para uma forte recuperação da procura em 2021, com uma procura incremental média em 2021-2024 ao nível de 2018.
Informação especializada
Na impossibilidade de resumir em espaço tão limitado os dados e previsões nos vários segmentos de mercado, sugerimos a consulta dos seguintes relatórios que estão disponíveis na www:
- “Shipping Market Cycles and Forecasting”, Baltic Exchange/Institute of Chartered Shibrokers, Lesson by Dr. Adam Kent, Managing Director of MSI, 25 Novembro 2020.
- “Shipping Market Review”, Danish Ship Finance, Novembro 2020.
- “Ocean Freight Market Update”, DHL, 30 Novembro 2020.
- “Changing tack”, S&P Global/Platts, Outubro 2020.
Podem também ser adquiridos a consultoras internacionais como a Drewry, IHS Markit, Dynamar, Platts, Lloyds List, Gibson, Oxford Economics, etc. relatórios de previsão especializados e dirigidos a necessidades específicas.
Os aspetos-chave a ter em conta
- A epidemia do COVID 19 está a ser um evento sem paralelo na história do mercado do shipping, alguns segmentos tiveram uma queda brusca, mas o setor como um todo tem-se adaptado bem à situação.
- O comportamento cíclico continuará a dominar o shipping, tal faz parte da sua natureza intrínseca, os drivers de mercado e os stakeholders em presença mantém-se.
- Na próxima década iremos assistir a mudanças em aspetos estruturais chave, quer do lado da procura, quer do lado da oferta.
- O setor luta desesperadamente para encontrar um caminho claro para a descarbonização. Não existe atualmente um combustível carbono-zero que esteja em condições de oferecer ao shipping uma rede de distribuição global. Neste contexto, encomendar uma nova construção que vai ser entregue pelo estaleiro construtor daqui a dois anos para operar nos próximos 25 anos envolve um enorme risco. Em dois anos a tecnologia evolui significativamente. Assistimos a uma permanente discussão e alterações da regulamentação que vai estar em vigor nos próximos 25 anos. As decisões de investimento na adaptação dos navios atualmente em operações e na aquisição de novas construções vão sendo adiadas até ao limite do possível.
- As perspetivas de curto e médio prazo estão envoltas em incertezas. É razoável pensar que a agenda do clima irá criar oportunidades no mercado do shipping, claro que vai ser necessário capital para construir navios e infraestruturas portuárias, mas o que não se consegue discernir é qual o modelo de negócio futuro.
[i] De acordo com Martin Stopford, em “Marítime Economics”, editora Blucher (tradução em Português da 3ª edição por Ana Casaca e Léo Robles), os ciclos típicos do transporte marítimo têm quatro fases: baixa, retoma, pico/patamar e colapso).
[ii] “Carriers ride out calm before the storm”, Lloyd’s List de 28 de Agosto 2020.
FERNANDO GRILO
Economista de Transporte Marítimo