3 mil milhões de Euros do nosso dinheiro público sem um plano B(om)?
Ainda antes da dissolução da Assembleia, ficámos a saber que não havia Plano B para a TAP. Perguntei-me, nesse momento, como é possível não ter um plano B, C ou D quando em causa está o equivalente ao orçamento total de 3 anos da Câmara Municipal de Lisboa ou o equivalente aos impostos que pagamos pela gasolina durante 1 ano inteiro?
Que gestor, que família, que empresa, que ministro ou que governo se pode dar ao luxo de anunciar que “não tem um Plano B” nestas circunstâncias? E se alguma coisa der errado, qual é a estratégia? A própria estratégia deve preceder e antever a probabilidade da existência de um erro ou de uma mudança de cenário ou das condicionantes. No fundo, com um dito plano B procura-se manter os objetivos traçados ao abrigo de uma variante alternativa. No meu entender, esses objetivos são:
– estimular, garantir e otimizar a conetividade aérea de Portugal
– manter e permitir o crescimento do número de empregos diretos e indiretos na aviação comercial em Portugal
E se o plano B para a TAP fosse um Plano Nacional de Estímulo à Conetividade Aérea e ao Emprego na Aviação Comercial em Portugal, mais abrangente, mais flexível, mais dinâmico e, sobretudo, menos custoso e com melhores resultados?
Que gestor, que família, que empresa, que ministro ou que governo se pode dar ao luxo de anunciar que “não tem um Plano B” nestas circunstâncias? E se alguma coisa der errado, qual é a estratégia?
Vamos por partes:
– Trata-se de um Plano Nacional. Ou seja, beneficia todos as regiões do País por igual sem privilegiar nenhuma, respeitando os princípios da partilha dos recursos e da coesão do território nacional – Continente e Ilhas;
– Foca-se na conetividade aérea, isto é, nas rotas em si e não na companhia X, Y ou Z que as realizará;
– Pretende manter e estimular o emprego na aviação comercial em Portugal. A TAP foi uma grande escola, um grande empregador e um comprador de produtos nacionais. Este Plano serve para assegurar que continuarão a existir empregos diretos e indiretos aos mais diversos níveis neste setor em Portugal. Os objetivos económico-sociais usados para justificar a injeção de capital público na TAP estão devidamente acautelados sem colocarem, no entanto, o Estado na ingrata posição de gestor de uma companhia aérea. O Plano concentra-se apenas no que é verdadeiramente essencial para o desenvolvimento económico do país sem fazer o contribuinte sofrer com as vicissitudes de uma companhia aérea específica. Apresenta-se também como extremamente flexível e sem risco, tem um limite orçamental definido e um resultado imediatamente quantificável. Um contraste abismal com os 3 mil milhões investidos na TAP que garantem apenas a subsistência temporária de uma companhia mais pequena, como menos aviões, menos destinos, menos empregados e mais endividada… ou seja, estamos a investir muito mais para obter ainda menos resultados…qual o sentido?
O Estímulo à Conetividade Aérea e à criação de emprego na Aviação Comercial em Portugal que aqui resumo em algumas medidas-chave – algumas delas já testadas noutros mercados – concretizar-se-ia da seguinte forma:
– Incentivo à criação de bases de companhias aéreas em Portugal. A alemã Eurowings, do Grupo Lufthansa, inaugurou recentemente mais duas bases fora da Alemanha. Estocolmo e Praga (cuja companhia de bandeira CSA faliu durante a pandemia por decisão do Governo Checo de garantir outras indústrias prioritárias) juntam-se, assim, a Palma de Maiorca e Salzburgo com um total de 8 aviões A320 (tripulações e contratos locais incluídos) de onde será possível voar rotas tão diversas como Tel Aviv, Barcelona, Milão, Copenhaga, Atenas, Zagreb, Tenerife, Fuerteventura ou Gdansk. Entretanto, a companhia lançou-se no segmento de longo curso através da Eurowings Discover que, apesar de ter começado na Alemanha, tem igualmente flexibilidade para se basear noutros aeroportos Europeus. Já a finlandesa Finnair inaugurou uma base local no seu maior mercado estrangeiro acostumado a voar via Helsínquia – a Suécia – de 3 aviões Airbus A350 de 336 lugares em Estocolmo de onde voam sem escalas para Miami, Nova Iorque, Los Angeles, Bangkok e Phuket. A Finnair aproveitou o abandono progressivo da companhia de bandeira SAS, que se acelerou durante a pandemia. Em plena crise e enquanto todas as companhias reduziam a sua atividade, a Wizzair inaugurou 7 bases em Itália nos últimos 18 meses e cresceu mais de 200% no mercado italiano ainda antes do fecho da Alitalia. Também a Ryanair, easyJet e Volotea cresceram em vários aeroportos italianos com multiplicação de bases e de rotas. Já a espanhola Vueling instalou-se com 3 aviões adicionais de 235 lugares cada no aeroporto de Paris-Orly. Em Portugal, até hoje, nenhuma companhia tem uma base na ilha da Madeira. Este seria um ponto de partida muito importante para uma das regiões Portuguesas mais dependentes do acesso aéreo e do turismo. Outras companhias poderiam expandir a sua presença em Lisboa e Porto mediante a disponibilidade de “slots” até hoje açambarcados pela TAP. Os incentivos servem justamente para acelerar e atrair este investimento – 100 milhões de euros seria muito acima da prática habitual.
– Criar e aumentar os incentivos para lançamento de rotas específicas consideradas estratégicas e potencialmente abandonadas pela TAP. Não importa a companhia que as opera, nem qual o destino nacional escolhido para a operação. Se considerarmos os Estados Unidos um mercado estratégico, a United anunciou, para 2022, voos diretos para Palma de Maiorca, Tenerife, Ponta Delgada ou Bergen ao abrigo destes programas. A United tem hubs em N. Iorque, Washington, Chicago, São Francisco, Houston, Denver e Los Angeles, mas só voa para Portugal dos dois primeiros. Isto é algo que pode ser mudado com o incentivo certo. A Azul ou a LATAM são duas companhias brasileiras já presentes em Lisboa e que têm hubs e voos internacionais de várias cidades Brasileiras. Dispõem igualmente de uma frota diversa capaz de operar de outras cidades Brasileiras para Portugal. Os mercados PALOP e das Comunidades – alguns dos quais já hoje mais adequadamente servidos pela Portuguesa EuroAtlantic cujas tarifas permitem, por exemplo, o importantíssimo transporte gratuito de 2 malas de porão – despertariam seguramente o interesse da Azores Airlines para Cabo Verde e da EuroAtlantic para Angola, Moçambique, Venezuela (para onde já operou) e Timor (para onde opera em voos especiais sem apoio governamental). E se, pelas circunstâncias mundiais, se chegar à conclusão de que outros mercados emissores são mais importantes, este programa permite facilmente desviar o investimento para as prioridades mutáveis do momento; com 50 milhões de Euros teríamos um programa muito robusto para estas iniciativas.
E se o plano B para a TAP fosse um Plano Nacional de Estímulo à Conetividade Aérea e ao Emprego na Aviação Comercial em Portugal, mais abrangente, mais flexível, mais dinâmico e, sobretudo, menos custoso e com melhores resultados?
– Reencaminhamento dos passageiros transatlânticos para voos Europeus. É questionável o valor acrescentado da economia de transporte aplicada ao negócio aéreo… qual o benefício económico para o país de termos 200 passageiros que aterram de Dakar às 6h00 e continuam para Paris, Nice ou Milão no voo da 7h00? Ou dos turistas alemães que chegam de Frankfurt às 09h00 para seguirem viagem para as Canárias ou para Miami às 10h30? E se esse valor realmente existe, porquê limitá-lo a apenas uma única companhia e a apenas um único aeroporto? A reformulação deste conceito encontra o seu lado inspiracional no Programa de Reencaminhamento em vigor no Arquipélago dos Açores – para assegurar a continuidade territorial, o Governo Regional garante a qualquer passageiro de Continente e da Madeira um bilhete gratuito para qualquer ilha nas 24 horas seguintes à chegada à Terceira ou a Ponta Delgada. O objetivo é fazer com que chegar à ilha do Corvo não seja mais caro do que chegar a São Miguel, por exemplo. A adaptação deste programa poderia significar, por exemplo, a criação de um encaminhamento gratuito para a Europa nas companhias parceiras desse programa destinado aos passageiros que cheguem em voos de longo-curso diretos para Portugal e com regras que nos permitam, de fato, ficar com os passageiros “em trânsito” que ficam alguns dias no nosso país, beneficiando a atividade económica como um todo. Este sim seria um programa Stop-over absolutamente inédito no mundo e com potencial para ser cofinanciado por diversos parceiros interessados neste nicho.
– Apoio institucional, tecnológico, comercial e aeroportuário às companhias aéreas que promovam os chamados “self-connecting hubs”, resultado de uma prática já efetuada há décadas por um determinado tipo de passageiros e resultado de um novo estímulo tecnológico providenciado pelas empresas que comercializam ligações virtuais entre companhias aéreas num determinado aeroporto; este tipo de operacionalização resume-se na implementação de condições adequadas para este tipo de tráfego e o seu custo, para além de marginal, encontra-se amplamente coberto pelas taxas de aeroporto geradas.
– Criação de rotas de interesse público no território nacional, sobretudo entre o Sul do País e as Ilhas (não existem quaisquer voos diretos), entre as ilhas do “Triangulo” e o Porto e entre os aeródromos do Norte e da Galiza e o Sul do país/Ilhas. Com 30 milhões de Euros seria possível criar um programa adequado e atrativos para as companhias operarem essas rotas que incrementariam o turismo e os negócios entre regiões e promoveriam a coesão do território.
E se o Plano B de 200 milhões de euros for melhor do que o Plano A de 3 mil milhões?
PEDRO CASTRO
Consultor em aviação comercial
Pedro Casto, sendo eu somente um utilizador regular do transporte aéreo nos últimos 25 anos mas atento aos últimos desenvolvimentos do mesmo , parece-me muito equilibrado o contributo do “seu” plano B a que os decisores deviam dar especial atenção. Fala nas Latam e Azul: foram as minhas eleitas em Dezembro de 2019 para o Brasil: bons aviões, óptimo serviço de cabine, bagagem de porão sem custos acrescidos e …cerca de metade do preço da TAP para as mesmas datas; no que respeita à atenção em terra ao passageiro a diferença para melhor é abismal. O mesmo sucedeu com a Delta para N. York há uns quatro anos.