Nos últimos tempos, por razões profissionais, tenho-me dedicado com maior atenção à política internacional e ao seu impacto na logística marítima e portuária. Inevitavelmente, as ameaças do recém-eleito Presidente dos EUA, Donald Trump, de impor tarifas alfandegárias à União Europeia, tornaram-se um tema incontornável.
O mundo tem assistido a uma escalada de medidas protecionistas por parte dos Estados Unidos, impulsionadas por uma estratégia de defesa dos interesses económicos nacionais. Apesar das oscilações e incertezas em torno destas ameaças, espera-se que a administração Trump implemente tarifas alfandegárias sobre uma vasta gama de produtos estrangeiros, afetando não só a China, mas também parceiros comerciais tradicionais, como a União Europeia.
Numa rápida réplica, a China veio já responder às tarifas adicionais de 10% impostas pelos Estados Unidos sobre produtos chineses, implementando uma série de contramedidas que incluem tarifas de 15% sobre carvão e gás natural liquefeito, além de 10% sobre petróleo bruto, máquinas agrícolas e automóveis de alta performance provenientes dos EUA. Além disso, Pequim iniciou uma investigação antitruste contra a Google e anunciou restrições à exportação de minerais essenciais, como tungstênio e telúrio.
Ora, estima-se que, a concretizarem-se estas medidas, a política tarifária norte-americana tenha um efeito cascata no comércio global, criando um novo enquadramento para as empresas exportadoras e importadoras. A relação comercial entre os Estados Unidos e a União Europeia é uma das mais significativas do mundo, com um volume de trocas que ultrapassou 1 bilião de dólares em 2022, considerando bens e serviços. A UE exporta para os EUA uma ampla gama de produtos, destacando-se automóveis, produtos farmacêuticos, máquinas, equipamentos eletrónicos e bens de luxo, incluindo alguns produtos agroalimentares de alta qualidade. Em contrapartida, os EUA fornecem ao mercado europeu maquinaria, equipamentos de alta tecnologia, aeronaves, semicondutores, software e serviços de consultoria e engenharia.
No contexto português, estas tensões comerciais globais podem ter implicações significativas. A escalada de medidas protecionistas entre os EUA e a China pode levar a uma reconfiguração das rotas comerciais internacionais, afetando o fluxo de mercadorias que transitam pelos portos nacionais. Além disso, a imposição de tarifas sobre produtos energéticos e agrícolas pode influenciar os preços globais desses bens, com possíveis repercussões para as importações e exportações portuguesas nesses setores.
Embora Portugal não esteja entre os principais parceiros comerciais dos EUA dentro do bloco europeu, tem conseguido conquistar espaço em segmentos estratégicos. Destacam-se as exportações de vinhos, azeites e produtos alimentares gourmet, além de avanços em setores tecnológicos como componentes para a indústria automóvel e aeronáutica. Portugal tem vindo a reforçar a sua presença em nichos estratégicos e continua atento às variações políticas e comerciais que possam influenciar este fluxo de bens e serviços.
Com efeito, o nosso país, sendo uma economia aberta e dependente do comércio internacional, pode bem ver a sua rede portuária impactada pela incerteza regulatória e pelas oscilações no fluxo de mercadorias. O mercado norte-americano, que representa uma fração relevante das exportações nacionais em setores como o vinícola, o agroalimentar e a indústria transformadora, enfrentará novos desafios com a imposição de barreiras comerciais. Em contrapartida, as importações portuguesas dos EUA incluem recursos energéticos, como gás natural liquefeito, bens agrícolas como cereais, e equipamento tecnológico de ponta. Qualquer aumento de tarifas sobre esses produtos pode ter um impacto direto no preço e na disponibilidade dessas mercadorias, afetando a economia portuguesa de forma ampla.
A imposição de tarifas tornará os produtos portugueses menos competitivos, diminuindo a sua presença no mercado norte-americano. Essa realidade reflete-se diretamente nos portos portugueses, como Sines, Leixões e Lisboa, que movimentam anualmente milhões de toneladas de mercadorias. Qualquer redução no volume de exportações significa menor utilização dessas infraestruturas, impactando não apenas as receitas dos portos, mas também os milhares de empregos dependentes deste setor.
Não obstante, temos sempre a garantia da localização estratégica de Portugal, o que faz do seu setor portuário um elemento essencial nas cadeias de abastecimento internacionais. Os portos portugueses têm um papel central na distribuição de mercadorias para a Península Ibérica e o restante da Europa. Contudo, a imprevisibilidade das políticas comerciais globais impõe desafios que exigem uma resposta estratégica e inovadora. Assim saibamos acompanhar os desafios!
O impacto das tarifas alfandegárias norte-americanas no setor portuário português é inegável, mas não precisa de ser uma sentença condenatória. Num mundo cada vez mais interligado e competitivo, é imperativo que Portugal e os seus agentes económicos adotem uma abordagem proativa.
O setor portuário, ao enfrentar os desafios impostos pelas políticas comerciais globais, tem a oportunidade de se reinventar e consolidar a sua posição como um dos principais eixos logísticos da Europa.
Uma das soluções para mitigar os impactos das tarifas alfandegárias impostas pelos EUA é a diversificação dos mercados de destino. A aposta em regiões como a Ásia-Pacífico, a América Latina e os países africanos em crescimento pode reduzir a dependência do mercado norte-americano e criar novas oportunidades de negócio.
Nos últimos anos, a China tem demonstrado um interesse crescente em reforçar a sua presença em infraestruturas-chave na Europa, num movimento alinhado com a sua estratégia global de expansão comercial conhecida como a Iniciativa Faixa e Rota (Belt and Road Initiative). Por exemplo, tem investido significativamente na infraestrutura portuária portuguesa, especialmente em Sines, transformando-a num elo importante na sua rota comercial para a Europa. Embora esta colaboração represente oportunidades claras de crescimento económico e modernização logística, traz igualmente desafios no plano geopolítico e regulatório, exigindo uma gestão cuidadosa dos interesses nacionais e europeus.
A adaptação às novas dinâmicas do comércio global também passa pela modernização das infraestruturas portuárias e pela digitalização dos processos logísticos. Investir na automação, na implementação de tecnologias como blockchain e na melhoria da conetividade ferroviária e rodoviária pode tornar os portos portugueses mais eficientes e atrativos para os grandes operadores internacionais.
A pandemia da COVID-19 e as recentes crises energéticas também demonstraram a importância de estratégias de “nearshoring“, que consistem na relocalização de cadeias produtivas para regiões mais próximas dos mercados de consumo. Portugal pode beneficiar dessa tendência ao posicionar-se como um hub logístico para empresas que procuram uma base na Europa, oferecendo um ambiente estável, acessos eficientes e ligações diretas com mercados diversificados.
Em suma: a implementação de um ambiente tarifário restritivo pode comprometer a competitividade de certos produtos portugueses nos EUA, reduzindo o fluxo de mercadorias nos portos nacionais e impactando negativamente as cadeias logísticas. Além disso, a incerteza em torno das políticas comerciais impõe ajustes frequentes nos planos logísticos, gerando encargos administrativos e custos adicionais para as empresas e, enfim, para o consumidor final. Paralelamente, perturbações noutras rotas comerciais, como entre os EUA e a Ásia, podem redirecionar ou condicionar fluxos de carga que transitam pelos portos portugueses, exigindo que a rede portuária nacional esteja preparada para responder rapidamente às mudanças no comércio global.
Diante desse cenário, é fundamental adotar estratégias de mitigação e explorar novas oportunidades. A diversificação de mercados, fortalecendo laços comerciais com regiões como Ásia-Pacífico, América Latina e África, pode reduzir a dependência das exportações para os EUA. O investimento na modernização e digitalização das infraestruturas portuárias garantirá maior eficiência e integração com os modais ferroviário e rodoviário, otimizando a movimentação de cargas.
Além disso – e julgo que esta deve ser a medida a implementar já – Portugal pode posicionar-se como um hub logístico e de montagem final para mercados europeus e extraeuropeus, aproveitando sua localização estratégica para fomentar reexportação e nearshoring. Isto está, em certa medida, nas “nossas mãos”.
Por fim, a negociação de acordos bilaterais ou – já mais fora do controlo exclusivo de Portugal -, no âmbito da UE, pode minimizar o impacto das tarifas impostas pelos EUA, promovendo um ambiente comercial mais previsível e favorável ao crescimento.
O impacto das tarifas alfandegárias norte-americanas no setor portuário português é inegável, mas não precisa de ser uma sentença condenatória. Num mundo cada vez mais interligado e competitivo, é imperativo que Portugal e os seus agentes económicos adotem uma abordagem proativa.
O setor portuário, ao enfrentar os desafios impostos pelas políticas comerciais globais, tem a oportunidade de se reinventar e consolidar a sua posição como um dos principais eixos logísticos da Europa.
A história mostra que as economias que prosperam são aquelas que sabem transformar desafios em motores de crescimento, e Portugal tem todas as condições para o fazer.
Mestre em Gestão Portuária, pela Escola Náutica Infante D. Henrique