O quarto dia da PORTO MARITIME WEEK começou dedicado à transição digital e à forma como as mudanças tecnológicas em curso irão transformar os negócios e a própria cadeia de abastecimento.
Jaime Vieira dos Santos, presidente da Comunidade Portuária de Leixões, foi o moderador do painel, que contou com a presença de Rui Barros, da Mitmynid, Hugo Bastos, da APDL, Victor Giner, do Porto de Valência, e Luís Antunes, da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Marinho Dias, director adjunto para a inovação e modernização da APDL não pôde estar presente cabendo a Rui Barros apresentar a sua exposição.
Tal como Jaime Vieira dos Santos referiu, a transformação digital é já uma realidade que abrange todos os setores e o ambiente que as plataformas digitais proporcionam levam-nos a estar muito próximos daquilo que é a universalidade.
De acordo com Rui Barros, da Mitmynid, empresa tecnológica que desenvolve soluções de software para o transporte e logística, “as plataformas digitais estão a revolucionar a forma como fazemos chegar as mercadorias de um ponto a outro, mas de uma forma que não é física”. Hoje estão disponíveis dezenas de plataformas que abrangem inúmeras áreas de negócio, desde a gestão do comércio internacional aos Marketplaces, passando pelos transitários digitais, tratamento de dados e a Internet of Things (IoT).
Para Rui Barros, “os clientes muitas vezes questionam-se sobre qual será a plataforma que devem escolher, mas aqui é exatamente como noutras situações; eles têm de se posicionar na plataforma que lhes vai oferecer mais benefícios, tendo em conta as funcionalidades e serviços que querem. E isso permite estar em diversas plataformas, porque estas têm um foco e estão bem definidas. Há um projecto promovido pela Maersk e pela IBM que nos diz que uma plataforma aberta deve conseguir conciliar todos os cenários de utilização que interessam aos players do shipping. Para eles, uma plataforma aberta é a soma de todas as outras plataformas e sistemas que utilizamos e são capazes de trocar informação entre si”.
Portanto, adianta Rui Barros, o que se pretende é que exista “a capacidade de colocar todos os players a falar uns com os outros através destas plataformas”. Quando falamos de shipping falamos da cadeia de abastecimento que tem muitos intervenientes e com várias dimensões. E para existir uma plataforma aberta é necessário que esta seja interoperável, acessível e entendível por todos. Por outro lado, as soluções deverão ser aplicáveis à realidade das pequenas e das grandes empresas, num panorama inclusivo e colaborativo.
“Na Mitmynid temos vindo a fazer este percurso e começámos pelas plataformas. Criámos a Bizcargo, onde temos marketplaces de serviços logísticos e motor de busca e onde conseguimos ter plataformas de negócios e de suporte à documentação digital”, disse Rui Barros. Esta plataforma permite desenvolver não só os negócios como é capaz de comunicar com outros sistemas através dos chamados access points de comunicação aberta, software que garante uma comunicação mais simplificada. Outra das plataformas criadas foi a bulkCargo, mais dedicada aos serviços logísticos de fretamento de navios e à gestão de operações de navio e suporte à documentação digital.
Rui Barros referiu que “quando falamos de transformação digital estamos a falar de atitude (…) é preciso escolher e tomar opções, dar o passo em frente e entrar na lógica do digital”, adiantando que “no shipping não nos podemos preocupar se os nossos concorrentes directos estão presentes na mesma plataforma que nós. Isto é como se fosse um centro comercial por onde os clientes vão passando. Temos de estar presentes, visíveis, apresentar os melhores serviços e as melhores condições para que nos possam escolher”.
Hugo Bastos, diretor dos serviços de informação da APDL, falou sobre a ferramenta “Extended Gateways”, que está a ser desenvolvida no Porto de Leixões. Os “Extended Gateways” nascem da necessidade de tirar pressão dos terminais portuários e das infra-estruturas terrestres de transportes, devido ao aumento do tráfego e volume do transporte contentorizado. De acordo com Hugo Bastos, “a introdução de portos secos e dos extended gateways é uma opção relevante para a redução do congestionamento, a melhoria das acessibilidades e conectividade entre portos e o seu hinterland”. O conceito passa por estender, de uma forma virtual, a plataforma do porto e os seus serviços para além das suas fronteiras físicas, que pode ser um porto seco ou o armazém de um expedidor. Segundo Hugo Bastos, “as redes porto-hinterland são compostas por múltiplos nós, modos e stakeholders (…) e os terminais marítimos e terrestres têm vindo a desempenhar um papel cada vez mais fundamental e decisivo na cadeia de abastecimento global, trabalhando em conjunto de forma transparente e integrada para aumentar a sua produtividade e estender o seu hinterland”.
Quer os portos secos, quer os extended gateways, contribuem decisivamente para a melhoria da acessibilidade e conectividade com os portos marítimos, o alívio do congestionamento dos portos e redes de transporte e a promoção da integração logística. Neste sentido, afectam directamente o custo do serviço e a eficiência das cadeias de abastecimento, a melhoria da competitividade entre portos marítimos e a promoção da sustentabilidade e crescimento económico. Os benefícios abrangem praticamente todos a actividade do shipping e os seus players, como os terminais portuários, carregadores, linhas de navegação, fornecedores de serviços de logística, alfândega, operadores de transporte e a própria sociedade.
Hugo Bastos salientou que “este modelo vitual é sustentado pela própria interoperabilidade entre sistemas e a JUL, que é uma plataforma normalizada e harmonizada entre todos os portos e o sistema logístico nacional e que vai permitir implementar as extended gateways nos portos secos”, juntamente com tecnologias como o blockchain, o bigdata, o open data, o IoT, a inteligência artificial, entre outros.
Também no porto de Leixões está a ser desenvolvido o CoLogistics, um projecto colaborativo inter-regiões entre a Galiza e o norte de Portugal e que é financiado pelo programa Interreg, com parceiros tão distintos como o porto de Vigo, a APDL, a Federação de empresários de Pontevedra, a Xunta da Galiza, a AEP ou a Câmara de Famalicão.
Este projecto nasceu em 2009, na construção de sistemas como a JUP ou a JUL, e foi evoluindo para ser uma plataforma que pretende promover a actividade logística e fortalecer as capacidades organizacionais e tecnológicas, fomentando a internacionalização das empresas e indústrias da euro-região Galiza-Norte de Portugal.
Marinho Dias, da APDL, não pôde estar presente na sessão, mas a apresentação do projeto foi realizada por Rui Barros, da Mitmymind.
“Há plataformas que podem ser multissectoriais ou multi-geográficas. Queremos que elas possam comunicar entre si e alguém em Portugal possa comprar serviços na Polónia, não porque conhece a plataforma dos transitários polacos, mas porque os serviços desses transitários estão também anunciados numa plataforma disponível no Norte de Portugal. Este é o grande conceito que queremos para o CoLogistics, que é ter serviços disponíveis onde quer que estejamos. Estamos a falar de marketplaces de negócios que podem ser interoperáveis”, avançou Rui Barros.
O projecto tem dois focos, os portos de Vigo e Leixões, no entanto é direccionado para as empresas que fazem parte do respectivo hinterland, quer sejam indústrias, operadores logísticos e empresas tecnológicas. Rui Barros referiu que “há três grandes objetivos. O primeiro é ter uma lógica de catálogo electrónico de serviço; o segundo é ter esse catálogo mas com a informação suficiente para se saber quais são os impactos ambientais que estamos a provocar. O terceiro objectivo passa por conseguir criar uma federação de plataformas interoperáveis, onde todos podem falar com todos”.
Para mostrar o que tem sido feito no porto de Valência ao nível da transição digital, Victor Giner, falou sobre o papel da digitalização naquele porto espanhol.
“Em Valência este caminho começou quando se implementou, nos anos 80, um programa que se chamava “Valencia Port PCS” que tinha como objectivo digitalizar todos os processos e autorizações do transporte terrestre. Mais tarde procedemos à digitalização de todos os processos documentais e de gestão administrativa. Hoje em dia é uma plataforma, uma “mesa virtual”, em que todos aqueles que fazem parte da comunidade portuária estão representados e onde se podem conectar e partilhar informação. Em 2020 foram trocadas mais de 70 milhões de mensagens dentro desta plataforma. Mas não estamos totalmente contentes, porque achamos que é preciso dar mais um passo à frente na questão da digitalização”, referiu.
Segundo Victor Giner, “temos de repensar e mudar os nossos processos e modelos de negócio, tendo em conta a disponibilidade e acessibilidade da tecnologia digital, com o objectivo de ganhar e manter as nossas vantagens competitivas”. Por exemplo, recentemente, o porto valenciano apostou em aplicações móveis internas e em terminais electrónicos para os seus colaboradores, o que lhe permitiu, por exemplo, melhorar significativamente o acesso dos operadores rodoviários aos terminais.
Para Victor Giner, “a conectividade e a informação são muito importantes para nós. No entanto, quando falamos de nos abrirmos a todas estas plataformas, como há pouco se comentava, temos de ter em conta os problemas que podem surgir, como a cibersegurança. A informação que recolhemos é muito importante para nós mas também pode ser para outras pessoas ou entidades com más intenções. Portanto, temos o desafio de tornar os nossos sistemas e redes cada vez mais seguros. Outro desafio que temos é que ainda existe um receio em partilhar informação e isso, por vezes, pode ser difícil de superar. Neste momento estamos apenas ligados à plataforma TradeLens e estamos interessados em criar uma plataforma de apimarket que nos permita, de forma ágil, oferecer os nossos serviços a quem queira utilizá-los”.
Já Luís Antunes, encarregado da protecção de dados de Comissão Nacional de Protecção de Dados, falou sobre a questão da cibersegurança. “Antes de falar sobre segurança no ciberespaço, quero falar da segurança no mundo físico. Quando atravessamos a estrada gerimos risco, quando saímos à noite gerimos risco, e essa preocupação foi-nos transmitida de geração em geração. Em relação ao ciberespaço, a internet não foi desenhada para ser segura, foi desenhada para ser resiliente, porque a questão da segurança estava assegurada pela criptografia. Até muito recentemente, até aparecer a IoT (Internet of Things) a questão da segurança não era tema. Portanto, estamos a correr atrás do prejuízo. Entretanto, começou a ser um problema porque começaram a aparecer várias demonstrações sobre o impacto que os ataques poderiam causar, das fragilidades do próprio sistema e agora estamos a tentar resolver o problema. Por um lado, estamos a tentar corrigir aquilo que fizemos mal no passado e, nos sistemas novos, estamos a incluir os conceitos de privacidade. E quero-vos dizer que o futuro será inteiramente tecnológico. A transformação digital é inevitável”.
No entanto, para Luís Antunes, os direitos, liberdades e garantias que foram conseguidos pelas gerações anteriores e que são um facto no mundo físico não estão a ser devidamente assegurados no mundo digital.
“Todos os dias são gerados 2.5 hexabytes de informação à escala global. É um volume de informação enorme a que chamamos big data. O valor monetário dos dados dos europeus, em 2018, era de 300 mil milhões de euros. A estimativa para 2025 é que estes dados valham 800 mil milhões de euros. Estamos a falar de dados que podem ser transformados em conhecimento e que por sua vez podem ser transformados em bens e serviços e que têm um valor intrínseco de mercado”, salientou.
O professor da FCUP, revelou que “incomoda-me que os equipamentos que tenho em casa ligados à internet estejam a transmitir dados sem que eu tenha conhecimento. E incomoda-me que esses dados tenham valor e nós, que os produzimos, não estejaamos a ver valor absolutamente nenhum no nosso bolso (…) o volume destes dados deu origem àquilo que chamamos de inteligência artificial, que de inteligência não tem nada. A inteligência artificial é a computação de alta performance que faz milhões de cálculos por segundo e consegue detectar, nos enormes volumes de dados que analisa, padrões que nós, humanos, não conseguimos. Por isso, eu não acredito que algum dia os computadores possam ter pensamento criativo e as profissões do futuro são aquelas que exigem criatividade”.