A análise do Tribunal de Contas sobre o contrato relativo ao fornecimento de 9 packs de baterias marítimas que a Administração da Transtejo submeteu a fiscalização prévia revela que o projeto de renovação da frota não foi suficientemente estudado, avaliado e planeado dos pontos de vista financeiro e legal.
Mas existem também os aspetos técnicos e operacionais cuja avaliação compete á Direção-Geral de Recurso Naturais, Segurança e Serviços Marítimos e à Autoridade da Mobilidade e dos Transportes. Decerto, a DGRM e a AMT terão algo a dizer pois não compete ao TC analisar esses aspetos.
Não esquecer também que as Câmara Municipais de Almada, Seixal e Montijo nunca revelaram grande preocupação com o projeto da Transtejo apesar da sua importância para a vida quotidiana dos munícipes. Terão decerto algo a dizer agora, que ficou claro que o projeto estava mal desenhado desde o princípio.
Na minha opinião, o projeto de renovação da frota teve três objetivos chave para o Governo:
- Primeiro, mostrar à União Europeia que estava na primeira linha da descarbonização, comprando dez navios 100% elétricos de uma só vez (algo que mais nenhum país na UE e no mundo fez).
- Segundo, utilizar os fundos comunitários dirigidos ao “crescimento sustentável, respondendo aos desafios de transição para uma economia de baixo carbono, assente numa utilização mais eficiente de recursos e na promoção de maior resiliência face aos riscos climáticos e às catástrofes” (PO SEUR) para financiar a aquisição de navios (algo pouco claro).
- Terceiro, utilizar os dois primeiros objetivos como propaganda interna no contexto da geringonça à esquerda, calando qualquer contestação. PCP e Bloco de Esquerda nunca se pronunciaram sobre as irregularidades várias e as audições à Administração da Transtejo no Parlamento não passaram do trivial convívio entre políticos e gestores públicos por eles nomeados em função de critérios que nada têm a ver com competência na gestão de empresas.
A avaliação económica, técnica e operacional do projeto foi totalmente desprezada pela Administração da Transtejo e pelo Governo que a tem apoiado e, em várias situações, a ela se tem substituído nas decisões de gestão no âmbito do projeto.
Se os navios 100% elétricos eram a solução que correspondia a melhorias no serviço público (diminuição dos tempos de viagem) e à segurança dos passageiros (aspetos ligados à autonomia e riscos inerentes ao sistema de carregamento e às baterias elétricas) foram aspetos contestados, mas nunca respondidos. Esses objetivos foram encarados como secundários (depois resolve-se…).
A avaliação económica, técnica e operacional do projeto foi totalmente desprezada pela Administração da Transtejo e pelo Governo que a tem apoiado e, em várias situações, a ela se tem substituído nas decisões de gestão no âmbito do projeto.
É importante apurar responsabilidades financeiras e/ou criminais, não apenas nos aspetos agora analisados pelo Tribunal de Contas (aquisição de nove baterias elétricas), mas em todo o projeto de renovação da frota da Transtejo.
O projeto dos navios elétricos foi desenhado de forma espartilhada envolvendo os seguintes aspetos principais:
- Conceber, projetar, construir, completar e testar os navios.
- Fornecer à Transtejo as especificações e características técnicas relativas às baterias principais de acumuladores a instalar a bordo dos navios.
- Fornecer à Transtejo um (apenas um e não 10) conjunto de baterias para a realização de todas as provas.
- Formação das tripulações.
- Aquisição dos restantes nove (9) conjuntos de baterias.
- Conceção, construção e fornecimento das estações de armazenamento de energia de terra para a frota de navios (sendo que a identificação do fornecedor do sistema de carregamento já constava do caderno de encargos – mais uma irregularidade).
- Adaptação dos terminais de passageiros de Cacilhas, Seixal e Montijo (alterações significativas nos pontões, gares e circulação de passageiros)
Os pontos 1 a 4 foram atribuídos aos Astilleros Gondán, o ponto 5 ficou em aberto, o ponto 6 ficou para a CME – Construção e Manutenção Eletromecânica S.A (ao fim de três tentativas de concurso) e o ponto 7 está também em aberto. No início, e pelo meio do processo, tiveram intervenção empresas de consultoria e gabinetes de advogados alguns deles invocados pela Administração da Transtejo e referidos no Acórdão do TC.
Se lerem os artigos que nos últimos dois anos o T&N publicou sobre este assunto, onde se inclui a exposição feita ao Primeiro-Ministro em junho de 2020, perceberão como foi possível chegar à situação atual.
Para os utentes da Transtejo pouco interessam os Acórdãos do TC, a propaganda do Governo, as responsabilidades financeiras e criminais, a arrogância e ignorância demonstradas pela Administração da Transtejo, etc..
Os utentes da Transtejo querem chegar ao trabalho a horas, saber se têm um serviço público de transporte fluvial ou se têm de procurar outra solução.
Que futuro
Em primeiro lugar, o Governo tem de reavaliar os três objetivos acima referidos, dos quais resultou um falso projeto de investimento.
Em segundo lugar, todo o projeto de renovação da frota tem de ser revisto, dos pontos de vista técnico, económico, operacional e financeiro. O contrato de construção com os Astilleros Gondán deve ser suspenso até se concluir se os navios a propulsão 100% elétrica são viáveis ou não e, neste último caso, avaliar se os cascos podem ser adaptados a outro tipo de propulsão (por exemplo, híbrida).
É necessário um novo modelo de gestão da Transtejo e Soflusa. Hoje são duas empresas com a mesma Administração, mas com quadros de pessoal distintos, acordos de empresa distintos, frotas de navios geridas com sistemas de gestão da manutenção diferentes e sob a tutela do Ministério do Ambiente (mais preocupado com os fundos comunitários do que com o serviço público de transporte de passageiros). Um conjunto de aberrações que os sucessivos Governos foram implementando.
FERNANDO GRILO
Economista de Transportes Marítimos
A Corrupção do PS envervonha Portugal os dois responsaveis são Antonio Costa & Pedro Nuno Santos muito mais que o ministro do Ambiente !!
Sem contestar as deficiências na atuação da ex-administração da Transtejo, nem pretender justificar as ações com boas intenções, parecerá que o artigo é demasiado crítico e ignora a elevada complexidade técnica da tração elétrica naval, nomeadamente quanto à segurança contra incêndios, num contexto na UE em que se pretende reduzir a dependência dos combustíveis fósseis. Desconheço se alguma entidade fez uma encomenda de 10 ferries elétricos. Pessoalmente, considerando a idade da frota da Transtejo, as limitações de velocidade no Tejo e a eventual necessidade de ter navios com as baterias carregadas para substituir outros com baterias descarregadas, em horas de ponta, não diria exagerado o número, discordando dos argumentos do TdC porque este não quer reconhecer as deficiências e limitações do código de contratação pública nem aceita as críticas dos técnicos que têm de fazer os cadernos de encargos. Não parecerá imprudente a opção considerando a informação nos sites da Siemens-Energy e da Corvus Energy de haver cerca de 700 ferries elétricos em funcionamento, o primeiro dos quais desde 2015 fazendo diariamente 34 viagens de 6 km. Igualmente a considerar, do ponto de vista da segurança, o relatório da EMSA. Inteiramente de acordo que o ideal seria que os navios pudessem ser preparados para uma futura adaptação à propulsão híbrida (baterias + fuel cells).