A “Estratégia Nacional para o Mar 2021-2030” estabelece um conjunto de áreas prioritárias, entre as quais uma especificamente orientada para o Turismo, Náutica de Recreio e Desporto (AIP8). Esta orientação baseia-se, desde logo, no facto de Portugal beneficiar de condições privilegiadas para o turismo costeiro e de mar, conforme referido nesse documento.
Adicionalmente, é mencionado no mesmo documento que o país, em alinhamento com a Estratégia para o Turismo 2027, deve continuar a promover a captação de rotas de cruzeiros para os seus portos, facilitando-se o desembaraço de passageiros e a mobilização dos meios logísticos associados à operação de escala, o que implica uma estratégia concertada de gestão de espaços e dinâmicas automatizadas de simplificação de procedimentos. É ainda reconhecida a necessidade, em termos de prioridades, da qualificação das infraestruturas (marinas e portos, enquanto estruturas de apoio), a valorização do património cultural costeiro e marítimo e o envolvimento das comunidades locais e dos setores do Estado. Por fim, é referida a necessidade de uma abordagem integrada em termos de quadro regulamentar.
Em suma, o desenvolvimento do turismo de cruzeiros é considerado uma parte importante da estratégia nacional para o mar em vigor, podendo-se também considerar como prioritário um conjunto composto por quatro eixos fundamentais: a qualificação das infraestruturas; a valorização do património; o envolvimento das comunidades locais; e ainda a necessidade de uma abordagem integrada.
A Região Autónoma dos Açores, desde a década de noventa do século XX que vem apostando de forma consistente e credível no turismo de cruzeiros, conseguindo tornar-se um destino cada vez mais relevante neste segmento do turismo, o que poderá ser atestado pelos números divulgados e que abordei em artigo anterior.
Mas o que faz a Região Autónoma dos Açores para consolidar esta estratégia? Nada? Antes fosse isso! Não, inventa uma taxa “regional” (criada ao abrigo do Decreto Legislativo Regional n.º 33/2023/A de 16 de agosto de 2023, na sequência da aprovação em plenário de 14 de julho de 2023), a todos os títulos incompreensível e que os armadores do setor criticaram de imediato.
Destacamos apenas alguns detalhes do diploma: por exemplo, a sua entrada em vigor será apenas em 2025; contudo, a regulamentação será no prazo de 20 dias a contar da publicação do Decreto, o que terá acontecido no Conselho de Governo de 31 de agosto (o 23.º e último ponto).
É percetível, desde logo, uma evidente incoerência entre a extrema urgência na regulamentação e a dilatação na entrada em vigor do diploma. Para além disto, a celeridade imposta na sua regulamentação, tendo em conta a complexidade criada no Decreto Legislativo, com exceções e isenções de difícil implementação, não augura uma solução devidamente ponderada.
… a criação de uma taxa funciona, de imediato, para os Açores como uma publicidade negativa, a todos os níveis evitável quando nos encontramos num contexto de competição com a generalidade dos outros destinos de cruzeiros.
Adicionalmente, há conceitos que parecem mal explicados e que, por isso mesmo, carecem de definição clara. Exemplo disto são os conceitos de “desembarque” e de “terminais” que, em rigor, poderão gerar múltiplas dúvidas, tendo em conta que, por exemplo, no que respeita a passageiros, poder-se-á classificar as seguintes tipologias de passageiros: passageiros em trânsito, passageiros embarcados e passageiros desembarcados. A quais se refere expressamente o Decreto Legislativo? Apenas os últimos ou também os primeiros? Relativamente aos terminais, apenas alguns portos possuem terminais de passageiros na verdadeira aceção da palavra, existindo outros portos sem estes equipamentos para passageiros. E neste contexto, a pergunta surge com naturalidade: os passageiros “desembarcados” estarão sujeitos ao pagamento em que circunstâncias?
Ora, deverá referir-se que, na atualidade, o turismo de cruzeiros é o único segmento de atividade em que os portos açorianos competem a nível global, registando uma trajetória bastante positiva, conforme já referido, e tendo aproveitado particularmente bem a retoma pós-pandemia, sendo o primeiro porto português a registar escalas ainda quando muitos portos se encontravam encerrados a escalas de tais navios. Para além disto, as escalas de navios focados no segmento de expedição, um segmento de nicho e extremamente exclusivo, têm vindo a registar um crescimento muito substancial nos Açores desde a reabertura pós-pandemia. Ora, tais navios são particularmente exigentes em termos de minimização de impactos ambientais, sendo, portanto, particularmente penalizados com esta medida.
Nestes termos, a criação de uma taxa funciona, de imediato, para os Açores como uma publicidade negativa, a todos os níveis evitável quando nos encontramos num contexto de competição com a generalidade dos outros destinos de cruzeiros. Para além da publicidade negativa, os Açores posicionam-se, com esta taxa, como um destino com um sobrecusto que a generalidade dos outros destinos não possui.
Se as preocupações dos partidos que aprovaram esta medida estão particularmente focadas nas questões ambientais, há diversas outras formas de o concretizar. Por exemplo, as excursões em terra na Antártida estão limitadas a 100 pessoas, sendo ainda totalmente proibida a saída para passageiros que viajam em navios de cruzeiros com mais de 1500 passageiros. Portanto, exemplos não faltam e talvez o caso da Antártida esteja já nos planos da cabeça de algum deputado mais esclarecido!
Sagazes foram também os restantes deputados que embarcaram no delírio. E trata-se de um delírio porque qualquer política deveria focar-se nos meios mais imediatos de se atingir os objetivos, que deverão ser também claros e mensuráveis. Neste caso em concreto, nem meios nem objetivos se apresentam como claros. Apenas temos um meio simples e mensurável: a ecotaxa de três euros.
Talvez que, em véspera de ida a banhos, já em pleno período estival, os deputados tenham sido complacentes e particularmente contemplativos. Talvez que se tenham esquecido que, há algum tempo já, mais propriamente em dezembro de 2022, deliberaram no sentido da não aplicação de uma taxa turística aos turistas que visitam os Açores, revertendo a decisão de aprovação que haviam tomado em abril de 2022. Esta ecotaxa marítima, infelizmente, parece que terá um destino bem diferente do que sucedeu à taxa turística. Poder-se-á considerar que se trata de dois pesos e duas medidas. Talvez que os turistas nada poluam. Talvez que não venham de avião, talvez que não façam lixo, talvez que não regressem…
Nada disto faz muito sentido, sobretudo se tivermos em conta que a generalidade dos destinos de cruzeiros investe neste setor com vista à promoção do destino turístico diretamente junto dos passageiros dos navios de cruzeiros, por forma a que estes visitem posteriormente o destino, já não como passageiros de tais navios, mas como turistas na verdadeira aceção da palavra. E menos sentido faz quando os portos açorianos não apresentam quaisquer condições para que os navios substituam as suas fontes de energia por energia de terra (“onshore power supply”), o que solucionaria a generalidade das críticas relativas à poluição gerada em porto.
LUÍS MACHADO DA LUZ
Doutorado em Sistemas de Transporte pela Universidade de Coimbra, ao abrigo do Programa MIT Portugal