A presente opinião é escrita previamente à publicação pela Comissão Europeia da decisão integral no processo SA.100121, referente à aprovação do auxilio estatal do estado português à TAP
“Um grande sucesso negocial”, foi a expressão utilizada pelo governo para resumir a esperada aprovação do plano de reestruturação da TAP, o que é normal, porquanto este governo é o maior interessado nesta aprovação, ainda para mais em época pré-eleitoral. É pouco relevante que a aprovação não seja surpresa.
Creio que já antes terei escrito aqui que a Pedro Nuno Santos gabo a coragem, independentemente de considerar que a política dele relativa às transportadoras aéreas nacionais tem, nos últimos dois anos, apresentado o que na minha opinião são decisões bastante erradas e alguma incongruência nas justificações apresentadas para as medidas do seu ministério. No caso das declarações após a aprovação da reestruturação da TAP estas incongruências voltaram a surgir, as quais, por repetidas várias vezes, começam a soar a demagogia.
Vejamos:
1. Encerrar não implica falir
Ainda que a situação da TAP rapidamente para lá caminhasse.
Apresentou-se um cenário de salvar a empresa de uma alternativa que é o deserto e o fim das ligações aéreas a Portugal. A decisão de não explorar ou considerar cenários de encerramento da companhia foi descartada de forma demagógica e não de forma racional. Mario Draghi aliter demonstratum.
2. Porquê batalhar por slots?
Os slots, ou faixas horárias, foram transformados em batalha campal. As faixas horárias serão cedidas a outras companhias aéreas que transportarão passageiros, turistas e portugueses, de e para Lisboa. A cobiça por estas faixas horárias demonstra como há operadores, não financiados pelo estado, interessados em operar para Portugal. Afinal, há privados interessados em fornecer conectividade em Portugal, a TAP não é insubstituível.
3. Se a TAP não rentabiliza o hub, então o hub é inútil
É lamentável aquilo que começa a ganhar preocupantes contornos de “logro do hub”. Um hub chama-se em Português uma placa giratória e é uma expressão bem mais feliz na medida em que permite visualizar o funcionamento do hub. Simplesmente, é a utilização de Lisboa como ponto de escala de trânsito de passageiros entre dois pontos no estrangeiro,
Se um passageiro embarca em Salvador da Bahia com destino a Munique na TAP, faz escala em Lisboa, espera um período curto de tempo na zona de trânsito do aeroporto e segue viagem. Este passageiro não faz nada pelo turismo Português.
…de nada serve ao turismo a placa giratória. A partir do momento em que a atividade da TAP se centraliza em utilizar Lisboa como trânsito para outros destinos, não contribui para o turismo.
Seria positivo que esta defesa da placa giratória da Portela pelo governo fosse melhor explicada e de que forma perder a placa giratória “tira centralidade ao país”.
A maioria dos leitores deste artigo já utilizaram o aeroporto do Dubai, mas poucos saíram do aeroporto para fazer turismo no Emirato. O Emirato nada ganhou com a minha utilização do Dubai, ganhou a Emirates que me teve como passageiro e a quem comprei o bilhete, o que é uma coisa bem diferente.
Se a TAP não consegue rentabilizar a Portela como placa giratória, então de que serve a dita placa giratória?
4. O peso da TAP no turismo
Outro ponto muito empolado é o peso da TAP no turismo, erroneamente medido com a utilização da placa giratória de Lisboa.
Como dito, de nada serve ao turismo a placa giratória. A partir do momento em que a atividade da TAP se centraliza em utilizar Lisboa como trânsito para outros destinos, não contribui para o turismo.
Tomemos os dados do primeiro trimestre de 2019[i]. A TAP transportou 50% do número total de passageiros em Lisboa nesse trimestre (embora não seja esclarecido quantos eram turistas ou apenas fizeram escala na já explicada placa giratória), mas no mesmo período transportou apenas 6% dos passageiros em Faro, atrás da Easyjet, Ryanair, Transavia e Jet2.com, companhias que não operam em sexta liberdade mas sim “ponto a ponto”, ou seja, transportando passageiros para Faro que por Portugal ficaram, em Portugal consumiram e ajudaram o turismo nacional.
É pena que os dados de tráfego publicados pela ANAC não informem o número de passageiros em trânsito e outros em escala na Portela, que permitiria avançar mais nas conclusões que tiramos. O que é claro é que se homiziar o Presidente do Conselho de Administração da Ryanair é já por si lamentável, ainda mais o é quando constatamos que este verão a Ryanair foi responsável por 32% dos passageiros que chegaram a Faro por via aérea e a TAP por 3%. Não se compreende como se pretende ajudar o turismo nacional desta forma.
Mais se pode concluir que os números de tráfego e a comparação da TAP com operadores privados é prova como, se retirado o operador público, há operadores privados que vão assumir a conectividade aérea de Portugal. Como sabemos? Já o fazem, e querem fazer mais assim que cedidas as devidas faixas horárias.
5. O silêncio sobre os RPK’s ou a versão moderna da Revolução dos Preços Espanhola
Continua a apresentar-se o número de passageiros transportados pela TAP como sinal de sucesso. Contudo, continua a ser ignorada a baixa rentabilidade que estes passageiros trazem à TAP.
Apresenta-se o tamanho da frota como troféus, mas foge-se à discussão da rentabilidade de cada aeronave.
A rentabilidade dos passageiros por RPK (Revenue Passenger Kilometers) é um elemento essencial para se compreender o (in)sucesso da TAP, mas esse não se partilha ou se discute, pelo contrário, vem-se à praça pública fotografar o número de aeronaves da placa como medição de sucesso.
Os portugueses merecem saber se a TAP consegue rentabilizar os passageiros que transporta.
6. Não há uma política de aviação nacional, há uma politica sobre o setor empresarial do estado na aviação
Existem 24 licenças de operador aéreo válidas em Portugal. Três correspondem à TAP, SATA e Portugália, as restantes pertencem a operadores de capital privado que nenhuma ajuda tiveram nos últimos dois anos fora do regime geral de apoio às empresas. Há gente válida e atividades importantes neste grupo, desde operadores charter, acmi, escolas, aviação executiva e operações aéreas. Infelizmente, não têm encontrado eco nos seus pedidos de atenção, que nem sempre é dinheiro.
É legítimo perguntar por que é que apenas os operadores aéreos com participação estatal tiveram direito a apoios e os restantes a silêncio.
[i] Dados oficiais da Autoridade Nacional da Aviação Civil, disponíveis para consulta em www.anac.pt
FRANCISCO ALVES DIAS
Advogado na DLA Piper