Num cenário de turbulência económica e social à escala mundial provocado pela Covid-19, conforme era expetável, o número de insolvências subiu cerca de 16% no 1.º semestre deste ano.
Com a situação epidémica, várias atividades empresariais foram encerradas, a atividade produtiva interrompida, muitos serviços cancelados, lojas e estabelecimentos fechados, pessoas e mercadorias impedidas de circular, tudo num cenário nunca antes visto, que naturalmente se repercutiu negativamente, quer no volume de encomendas, quer no volume de vendas, com impacto negativo no fluxo de negócios.
O plano de recuperação, para servir efetivamente como um instrumento de viabilização da empresa, não se deve reduzir unicamente a um plano de pagamentos…
Todo este contexto conduziu e conduz à necessidade de analisar o impacto do inesperado e repensar e reajustar toda a projeção e planeamento do negócio anteriormente efetuados, sob pena de colocar em causa a continuidade e a viabilidade do próprio negócio. A reanálise deve envolver não só uma reestruturação do passivo, como eventualmente da própria atividade, num cenário completamente imprevisto e imprevisível. Como sabemos, as empresas em Portugal não só têm uma situação de endividamento significativo, como muitas delas estão (e muitas já estavam antes da era Covid) no limiar da sobrevivência financeira. Neste cenário, um fator desestabilizador como a Covid-19 poderá determinar o seu encerramento imediato.
Neste enquadramento, e de forma a evitar um colapso social e económico de dimensão significativa, desconhecendo-se quando a situação normalizará e percebendo-se que nos próximos anos teremos “um novo normal”, é importante que as empresas façam essa análise e recorram, de forma prudente, ponderada e responsável, no caso de dificuldades económicas ou em situação de insolvência iminente, aos instrumentos legais disponíveis para reestruturarem o seu negócio.
Nessa medida, as empresas dispõem, entre outros meios, do processo especial de revitalização, o PER. Através do PER, a empresa poderá negociar com os seus credores, com vista a obter um acordo que permita a sua revitalização através de um plano de recuperação. Para o efeito, a empresa deve apresentar uma proposta de um plano de recuperação credível e realista. Esse plano deve contemplar um estudo económico-financeiro da empresa, mas também da atividade exercida (e do respetivo setor), da forma como está a ser exercida (organização e funcionamento da empresa) e perspetivas de negócio, com vista à apresentação de um plano que permita não só a manutenção da atividade, mas também o seu crescimento. A empresa tem que estar disposta a alterações estruturais ou até a uma nova direção, se o plano assim o apontar.
Se, por um lado, a empresa necessita de plano de negócios sério e responsável, por outro lado, os credores precisam de fazer uma análise mais abrangente e tecnicamente mais profunda do plano que é apresentado. O plano de recuperação, para servir efetivamente como um instrumento de viabilização da empresa, não se deve reduzir unicamente a um plano de pagamentos, de quando e quanto irá receber, sob pena de, num curto espaço de tempo, a empresa estar num novo PER ou numa insolvência, e nenhuma das partes ganhar com essas limitações.
Naturalmente, é de todo legitimo o credor querer receber o seu crédito o mais rapidamente possível e, se possível, sem perdas. No entanto, a pressão do plano ser aprovado apenas com base nesta perspetiva é muito redutora e, por via dessa prática habitual, muitas empresas acabam por apresentar planos menos exequíveis para verem o seu plano aprovado, o que desvirtua o objetivo principal do PER, que é a revitalização da empresa, e condena os credores na incerteza e improbabilidade e até na impossibilidade de receberem os seus créditos.
Assim, impõe-se uma mudança de mentalidade neste tipo de processos, de todos os envolvidos, inclusivamente do legislador, sob pena de inutilidade e ineficácia dos mesmos.
ALEXANDRA DIAS TEIXEIRA
Sócia Coordenadora Bancário e Recuperação de Empresas e Insolvências
JPAB