Já diz o povo, na sua imensa sabedoria, que “não há fome que não dê em fartura”. Mas o pior é que “quando a esmola é grande o povo desconfia”.
Isto para dizer que, aparentemente, assim de repente, surgem anúncios de mais Operadores Ferroviários a querer trabalhar o mercado nacional/ibérico, com o anúncio de lançamento de vários comboios, do incremento da atividade e com uma procura por soluções alternativas ao transporte terrestre no mercado intraeuropeu nunca vista.
Talvez pela subida do preço dos combustíveis, a falta de motoristas, a necessidade de alcançar metas relativamente à emissão de CO2, para além da vontade política já manifestada e a aparente disponibilidade financeira para o investimento, revela-se aqui uma janela (porta) de oportunidade muito relevante para o transporte ferroviário nacional de mercadorias. Ou talvez por outras razões…
Ora, a “fartura” aparentemente existe, mas concomitantemente existe a “fome”, porque subsistem barreiras – técnicas e não só – muito relevantes a este desenvolvimento. Recentemente, ouvimos os Operadores instalados a manifestarem preocupação relativamente ao investimento a fazer, nomeadamente devido à falta dos sistemas de segurança a instalar. Por sua vez, os novos Operadores referem que mesmo tendo meios de tração não conseguem obter os tais referidos sistemas, e já sabemos que todos os novos comboios devem vir equipados com o sistema europeu de controlo e de sinalização (ETCS).
Por seu lado o ERTMS, que é o Sistema Europeu de Gestão do Tráfego Ferroviário, é um sistema padrão para a gestão e interoperabilidade da sinalização ferroviária para as ferrovias da UE. É conduzido pela ERA e é a camada organizacional para os diferentes subsistemas de gestão separados, nomeadamente o ETCS.
Ora, a “fartura” aparentemente existe, mas concomitantemente existe a “fome”, porque subsistem barreiras – técnicas e não só – muito relevantes a este desenvolvimento.
Sabe-se que está em desenvolvimento um sistema de segurança alternativo, que permitirá aos novos comboios funcionarem com o sistema Convel e o sistema ETCS, a ser instalado durante os próximos 15 anos na rede ferroviária nacional, e que vem assim acautelar esta transição. Não se sabe, no entanto, quando o mesmo estará pronto para entrar ao serviço, (diz-se que mais 2 anos), o que na prática limita a interoperabilidade e, logo, o desenvolvimento dos corredores transeuropeus, mas também o desenvolvimento da atividade em território nacional, a concorrência, mas acima de tudo a urgente tentativa pela escolha de modos de transporte mais sustentáveis do ponto de vista ambiental.
Avaliando o tempo de obra ferroviária, percebendo o tempo que demorará o novo sistema, acreditando no plano Ferrovia 2030, pode ser que todos os prazos se conjuguem, que todos façam a sua parte individualmente, e que os outros todos acreditem num resultado bom para todos.
É nestas circunstâncias que se assiste, diria, com muito otimismo àqueles anúncios em que os vários operadores manifestam enorme vontade em apostar no nosso país, percebendo que há potencial e oportunidade.
A verdade é que a “fome” não espera pelo tempo da “fartura”.
NABO MARTINS
Especialista em transporte ferroviário