Há certos temas que não conseguem fugir à praça pública enquanto outros passam despercebidos e se vão mutando no tempo, trazendo consigo novos riscos legais e a necessidade de novas soluções por parte dos operadores, perante a mudança da perspetiva e valoração do que está em causa. Um exemplo é o transporte de animais de estimação e os novos desafios resultantes da mudança de perspetiva social sobre os animais.
Não irei aqui contribuir para o ruído do momento sobre o voo cancelado ou atrasado em razão das condições de transporte de um cão a partir do Brasil. Discutir um atraso ou um cancelamento de um voo específico, é discutir um cisne negro, uma raridade que ocorre de forma inusitada quando, pelo contrário, o transporte de animais de estimação, desafio diário às transportadoras aéreas, merece uma mais cuidadosa reflexão pelos operadores de transporte aéreo.
Afinal, os operadores de serviços aéreos são, como o nome indica, prestadores de serviços. Especificamente, os operadores de serviços aéreos celebram com os seus passageiros contratos de transporte aéreo mediante retribuição. Estes, podem ser definidos como a convenção pela qual uma das partes, o transportador, se obriga perante a outra, o passageiro, mediante retribuição, a deslocar pessoas, carga, bagagem e correio de um local para outro por via aérea.
Tratando-se da prestação de um serviço, com cada vez maior espectro de possíveis passageiros, à imagem de qualquer outro prestador de serviços, os operadores aéreos não se podem dar ao luxo de viver afastados da sociedade que servem.
Isto significa reconhecer as prioridades e necessidades dos seus passageiros (e expedidores de carga) e acompanhar as transformações da sociedade onde operam. A mundividência e a atualidade são, por isso, requisitos essenciais para uma abordagem ao transporte aéreo.
No que diz respeito ao transporte de animais, será inegável que nas últimas décadas tem decorrido um processo de humanização de certos animais, aqueles que se podem qualificar como animais de companhia, resultante da sua integração como membros da família que os alberga.
Este processo de integração representa não já a ideia de que aos animais assistem direitos (com o correspondente dever humano) de proteção alargada, mas uma fase evolutiva posterior, uma fase que inclui um repensar, do ponto de vista ético-jurídico, do enquadramento dos animais no direito positivo português e internacional.
O facto é que a qualificação dos animais como um tertio genus entre pessoas e coisas, não foi acompanhada no direito da aviação.
Não se trata, hoje, de olhar para os animais como “coisas” (assumindo uma dicotomia tradicional entre “coisas” e “pessoas”) que merecem uma proteção alargada, mas acompanhar uma interpretação sociológica do papel do animal de companhia nos seios familiares atuais e futuros.
É nesse sentido que, cremos, o regime legal aprovado já em 2014 em Portugal — um passo importante na atualização e proteção dos animais em relação a maus tratos, reconhecendo a natureza própria destes enquanto seres vivos sensíveis e aprovando medidas para a sua proteção face a atos de crueldade e maus tratos — não acompanha ainda esta nova perspetiva sociológica sobre o papel de certos animais nos núcleos familiares atuais.
Será porventura esse o cerne da questão, ou seja, não o reconhecimento dos animais como seres sencientes, mas compreender até onde se deverá igualar o tratamento destes com o de pessoas humanas, já que, se a equiparação total entre humanos e animais será sempre impossível, não menos verdade é que considerar os mesmos como coisas já se encontra em contrário ao regime legal aplicável, mormente ao artigo 201-B e seguintes do Código Civil no ordenamento nacional, sem que o mesmo tenha paralelo no que concerne ao regime legal aplicável ao contrato de transporte aéreo e à sua regulamentação internacional.
O facto é que a qualificação dos animais como um tertio genus entre pessoas e coisas, não foi acompanhada no direito da aviação.
A grande vantagem comparativa do transporte aéreo em relação a outras formas de transporte prende-se com a sua capacidade de transportar pessoas, carga, bagagem e correio, de uma forma substancialmente mais rápida em longas distâncias em comparação com as formas de transporte marítimo e terrestre. Daí resulta que grande parte do transporte aéreo seja realizado em longas distâncias, com a inevitabilidade de, muitas vezes, ser internacional.
A internacionalidade do transporte aéreo sempre significou, de uma perspetiva jurídica, uma elevada fragmentariedade dos regimes legais aplicáveis. Como resposta, pode considerar-se que existe uma forte densidade legislativa internacional e comunitária no transporte aéreo.
Uma das mais importantes convenções internacionais aplicáveis ao transporte aéreo corresponde à Convenção de Montreal de 1999. Esta Convenção, por um lado, trata da harmonização de certas normas relativas à responsabilidade civil das transportadoras aéreas e, por outro lado, consolida o chamado sistema de Varsóvia de 1929.
Isto significa que, se por um lado, é a Convenção de Montreal de 1999, quando aplicável, que determina as regras referentes à responsabilidade civil das transportadoras aéreas no que concerne a danos causados a animais durante a realização do seu transporte, por outro lado, a mesma não atualiza os conceitos já previstos na Convenção de Varsóvia de 1929 a qual reflete um pensamento social que se aproxima do século de idade.
Por outro lado, sempre se deverá salientar que muitos dos conceitos utilizados no sistema de Varsóvia e na Convenção de Montreal se encontram profundamente analisados e escalpelizados em quase um século de jurisprudência ao redor da Convenção, que, como é sabido e de forma assaz original, é frequentemente citada e respeitada por tribunais de diferentes jurisdições.
Logo, não deve ser expectável que o texto da Convenção consiga, de forma condizente com o pensamento atual sobre o enquadramento jurídico a aplicar aos animais de estimação, apresentar respostas atualizadas ou satisfatórias diretamente no texto, embora a jurisprudência em diferentes jurisdições possa ter o seu peso na determinação da matéria.
Destarte, a Convenção de Montreal de 1999 aplica-se ao transporte aéreo de passageiros, carga, bagagem e correio, não sendo esclarecido qual o regime a aplicar a animais de companhia. Não sendo aqui o espaço para aprofundar este tema, preliminarmente, algumas questões podem ser levantadas e deixadas à consideração:
- Devem os animais de companhia ser tratados como passageiros, como bagagem ou como carga?
- Se o regime previsto para a carga é mais facilmente aplicado a animais transportados no porão da aeronave, quais os entraves à aplicação do mesmo aos animais transportados na cabine da aeronave? Sendo que, a existir um tratamento diferenciado, de onde resulta essa diferenciação entre animais?
- Se os mesmos não forem considerados como carga, devem ser qualificados como passageiros ou como bagagem do passageiro na determinação do regime de responsabilidade civil dos operadores aéreos? Sendo que cada uma destas categorias tem dificuldades próprias na sua aplicação.
- Se considerados excluídos de qualquer uma destas categorias, constituindo um quinto genus, a exclusividade da Convenção de Montreal exclui a responsabilidade das transportadoras aéreas no transporte de animais de estimação?
A estas questões, outras questões, já de prática logística e operacional, devem também ser consideradas, não sendo a resposta às questões legais indiferentes a estas, nomeadamente e certos que várias outras podem surgir:
- Qualificados os animais como passageiros, será necessária a compra de passagem aérea para os mesmos?
- Se o regime de responsabilidade deverá ser diferenciado das regras de responsabilidade do operador para bagagem ou carga, como deve ser calculado o frete, se assim se pode chamar?
- Em tais situações, seria possível manter a rotação da aeronave atendendo os cuidados adicionais de limpeza da cabine?
FRANCISCO ALVES DIAS
Advogado Especializado em Direito Aéreo e Espacial
Viva Caro Francisco,
Espero que tudo bem consigo e Família.
Tema interessante e importante no timing perfeito porque o volume de “Pets” transportados aumenta consideravelmente em Julho – Setembro, Natal e Pascoa nos nossos principais aeroportos (LIS-OPO-PDL e FNC). Posso dizer que até á pouco tempo as Cias em geral estavam a refletir sobre a interdição do transporte de Pets em cabine face a incidentes verificados e confrontos com terceiros (Pax’s) por esse mundo fora em vários networks/Cias.
Penso poder dizer que o futuro será considerar os Pets como Bagagem e/ou Carga (situação que já existe nos 2 casos) de uma forma exponencial. Inclusive, são muitas as vezes que os Station Managers das Cias que representei davam o nosso contacto para os Pets serem tratados como Carga. Em relação aos preços, estamos numa situação de mercado livre. Cada Cia que pretenda e possa transportar Pets elabora os seus preços enviando-os a nós para filtro de possíveis erros e daí o reenvio aos Clientes Transitários e também informação visível nos nossos Balcões de aceitação de carga ao publico/particulares. No entretanto, tudo isto parece simples mas não é de todo e muito, mas mesmo muito haveria por dizer mormente o cumprimento das regras de cada Cia e os respetivos Check List’s diferenciados; De resto o conceito/produto de transporte “AVI” é de certo modo um dos mais sensíveis mas também um dos mais “generosos” em termos de receita.
Não gosto de abreviar textos em matérias importantes mas já agora só mais um ponto: Até há relativo pouco tempo -2019 – só havia 1 Veterinário de turno para cobrir a Sala de Bagagem e o Terminal de Carga, mas a ANA/Vinci continua a pensar que gere aeroportos “modernos” … Pelo menos é o que sempre me diziam quando fazia alguma reclamação.
Se necessitar de mais elementos – até por mera curiosidade – pode ser que o possa ajudar.
Um Abraço,
Rui F. P. Madeira