“O progresso é precisamente aquilo que não está previsto nas regras e regulamentos”
Ludwig von Mises
VTOL, um acrónimo para “Vertical Take-off and Landing” diz respeito a veículos que apresentam a característica definidora de conseguirem descolar e aterrar de forma vertical. Embora não seja um sistema novo, presente também em helicópteros, o acrónimo VTOL tem sido utilizado recentemente para veículos que, ao contrário de helicópteros, utilizam mais de duas unidades de propulsão as quais, se corretamente implementadas, aumentam a segurança operacional destes veículos por partilharem as funções críticas de operação entre vários componentes. Adicionalmente, embora não seja um elemento crítico para a sua definição, a maioria dos projetos em análise tem já considerada a possibilidade de operação remota do equipamento.
Pese a ausência de um conjunto completo de especificações técnicas para a sua certificação, foi já publicado há alguns anos um conjunto de especificações técnicas, especialmente aprovadas tendo os VTOL em vista[i], que têm servido de base para os variados projetos em curso para colocar este tipo de equipamentos no mercado.
Em termos de aplicação prática, os VTOL que podemos esperar no mercado nos próximos anos serão, provavelmente, veículos mais pequenos, com uma configuração de cabine de 9 ou menos passageiros e uma MTOW até 3175 quilogramas, porém, de particular relevância, a maioria dos projetos em causa não prevê a utilização de combustíveis fósseis para a sua circulação, sendo movidos por energias alternativas renováveis.
O mercado para os quais estes veículos se têm apresentado potencialmente como soluções interessantes, especialmente considerado o pouco espaço necessário para a sua operação, será o cenário de operações de transporte urbano, de carga ou passageiros (vulgarmente chamados de “táxis aéreos”) sendo esta prevista aplicação prática dos veículos VTOL que os têm feito merecedores de elevada atenção e cuidado na sua regulamentação por se enquadrarem perfeitamente nos objetivos da nova política de mobilidade urbana europeia. A sua entrada em funcionamento e respetiva massificação do seu uso poderá representar uma alternativa “limpa” no transporte de passageiros e carga em curta e média distância, assim como em variados tipos de trabalhos aéreos, como trabalhos agrícolas, processos de mapeamento, estudos topográficos e de batimetrias, telecomunicações, vigilância e outros onde atualmente já se encontra difundida a utilização de RPAS, vulgarmente conhecidos como drones.
Naturalmente, o uso destes veículos em cenários urbanos implica um maior risco potencial de danos a terceiros e aos passageiros transportados, especialmente considerando que estes últimos, a utilizar esta nova forma de transporte de forma remunerada, deverão receber um nível de proteção igual ou superior ao de passageiros de transporte aéreo comercial (o que exige, no mínimo, o cumprimento dos objetivos de segurança atualmente aplicáveis a aeronaves previstos nas CS-25 e nas CS-27/29).
…quando discutimos regulação, o que importa é descobrir o correto equilíbrio entre a criação de um quadro regulatório que fomente, sem amordaçar, o desenvolvimento tecnológico, mas que, ao mesmo tempo, permita orientar os atores privados mantendo exigências de segurança operacional e responsabilidade social dignas da qualidade de vida que se almeja para o futuro.
Atualmente, encontra-se aberto o período de consultas para a revisão das SC-VTOL, assim como da quarta versão dos respectivos acceptable means of compliance, considerando as necessidades específicas em termos de sistemas de propulsão e de controlo de voo, procedimentos operacionais, técnicas de manuseio e infraestruturas, entre outros.
Em nossa opinião, algumas áreas carecem de especial cuidado. Nomeadamente, sendo sempre o fator mais importante, e mantido em primeiro lugar, o risco de danos em caso de colisão ou acidente em zonas densamente povoadas (que é onde se espera que estes veículos apresentem a maior vantagem comparativa com outras categorias de transporte aéreo). Adicionalmente, zonas mais povoadas também tendem a incluir a maior probabilidade de ocorrência de danos em infraestruturas mais relevantes.
Em segundo lugar, a maior probabilidade de colisões em ar com outras aeronaves ou RPAS, que deverá levar à regulamentação de sistemas específicos de gestão de espaço aéreo.
Em terceiro lugar, os perigos de segurança. Qualquer vantagem em termos de tempo de viagem poderá ser anulada por procedimentos extensos de segurança nas fases de embarque e desembarque, cuja necessidade não desaparecerá na medida em que o risco de perturbação do voo por passageiros vai continuar a existir.
Finalmente, o risco de deslocação da pegada ambiental destas formas de transporte. Sendo perfeitamente válida a ideia de desenvolver formas de transporte alimentadas por fontes energéticas renováveis ou combustíveis SAF, importa incorporar o custo ambiental da construção da infraestrutura e dos materiais utilizados no cálculo da verdadeira fatura ambiental a pagar. De outra forma, não é possível assegurar que aquilo que nos é apresentado como uma escolha ambiental não deixa de ser uma mera deslocalização do custo ambiental.
Como habitual, quando discutimos regulação, o que importa é descobrir o correto equilíbrio entre a criação de um quadro regulatório que fomente, sem amordaçar, o desenvolvimento tecnológico, mas que, ao mesmo tempo, permita orientar os atores privados mantendo exigências de segurança operacional e responsabilidade social dignas da qualidade de vida que se almeja para o futuro. Este é um objetivo difícil, mas alcançável, que tem de ser construído criando uma ponte entre os fabricantes de equipamento e componentes e o órgão regulador.
Especialmente em países mais periféricos como Portugal, onde a distância para as entidades responsáveis é maior e onde ainda vinga em muitos momentos o tão nacional “síndrome de bom aluno”, não podemos deixar de continuar o combate à assimetria de informação e o absentismo dos grupos de trabalho que trilham hoje a indústria do futuro, em defesa claro está, dos seus próprios projetos de desenvolvimento.
[i] https://www.easa.europa.eu/sites/default/files/dfu/SC-VTOL-01.pdf
FRANCISCO ALVES DIAS
Advogado Especializado em Direito Aéreo e Espacial